Há milhões de anos, uma cobra se alimentou de um lagarto com um inseto na barriga e os três fossilizaram...

24/02/2024

Há cerca de quarenta e oito milhões de anos, um evento raro foi eternizado: uma cobra consumiu um lagarto, que por sua vez tinha um inseto em seu estômago, e os três acabaram fossilizados, oferecendo uma janela única para uma cadeia alimentar da antiguidade.

Nesse período, um parente distante das iguanas, habitando o que hoje conhecemos como Alemanha, capturou um inseto que se destacava por seu exoesqueleto brilhante. Infelizmente para o lagarto, seu destino tomou um rumo inesperado quando foi engolido inteiro, da cabeça aos pés, por uma cobra ainda jovem.

A descoberta deste evento foi possível devido a um acaso desafortunado para a cobra, que encontrou seu fim em uma armadilha mortal natural: a fossa de Messel. Este lago vulcânico era conhecido por suas águas profundas venenosas e pela capacidade de emitir nuvens letais de dióxido de carbono.

Embora não esteja claro se foi o veneno ou a asfixia que selou o destino da cobra, é mais provável que ela tenha morrido nas proximidades e sido levada para dentro do lago pelas águas. Curiosamente, não passaram mais de dois dias desde que a cobra fez sua última refeição até que seu corpo repousasse no fundo do lago, preservado meticulosamente pelos sedimentos, junto com sua presa e a presa de sua presa.

Essa cadeia alimentar fossilizada, detalhada recentemente na revista Palaeobiodiversity and Palaeoenvironments, é apenas a segunda descoberta de seu tipo, ilustrando uma complexa interação predatória semelhante às bonecas russas matryoshka (imagem abaixo) ou, numa analogia culinária, a um turducken.

Krister Smith, paleontólogo do Instituto Senckenberg na Alemanha e líder do estudo, expressou seu espanto diante da raridade do fóssil, destacando a improbabilidade de encontrar outro exemplar semelhante em sua carreira. Jason Head, especialista em répteis antigos da Universidade de Cambridge, também se maravilhou com a capacidade do fóssil de revelar detalhes sobre a dieta das cobras antigas.

Além de ser uma curiosidade paleontológica, o fóssil oferece insights sobre as tendências dietéticas dos boids, uma família de cobras que inclui espécies encontradas na Ásia, África, Madagascar e regiões neotropicais. Agustín Scanferla, coautor do estudo, observou que este exemplar, um jovem Palaeopython, evidencia a mudança na dieta dessas cobras desde tempos imemoriais.

O fóssil não apenas lança luz sobre os hábitos alimentares das cobras antigas, mas também contribui para o entendimento sobre a biogeografia e evolução desses répteis, segundo Head.

A descoberta também se junta a outros achados impressionantes provenientes da fossa de Messel, um sítio do Patrimônio Mundial da UNESCO que já revelou uma variedade de fósseis excepcionalmente preservados da época do Eoceno.

A equipe de Smith e Scanferla continua explorando a fossa de Messel em busca de mais evidências que possam desvendar os mistérios da dieta de répteis antigos, mas para Scanferla, o jovem Palaeopython com seu estômago cheio permanecerá como um achado particularmente notável. Este fóssil, com sua história de vida, morte e preservação, é um lembrete fascinante da complexidade e interconexão da vida na Terra, mesmo há quarenta e oito milhões de anos.

Fonte: National Geographic